Colocou-se a seguinte questão:

Uma Junta de Freguesia subscreveu os seus seguros com o atual Presidente de Junta que, antes de ser presidente, era sócio-gerente de uma empresa de mediação. Deixou de exercer a atividades há mais de 5 anos e, na altura, passou a sua quota para a ex-esposa e os seus dois filhos. Em 2021 foi eleito, pela primeira vez, Presidente de Junta. A última apólice subscrita foi há 5 anos, todas as outras foram contratadas anteriormente. Pode a Junta continuar a manter os contratos de seguro com a empresa de mediação em que os seus filhos têm uma quota pequena, mas superior a 10% cada um, ou mesmo tendo sido subscritos há mais de 5 anos, terá de cancelá-los e mudar de fornecedor?

A situação questionada prende-se com as garantias da imparcialidade da administração, cujos princípios estão consagrados no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição. As garantias da imparcialidade estão integradas no Código de Procedimento Administrativo, ou CPA, e de acordo com o artigo 69.º, que afirma que “os titulares de órgãos da Administração Pública e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública”, os filhos têm interesse no procedimento, o que configura um caso de impedimento, previsto no mesmo artigo.

Verificando-se um caso de impedimento, de acordo com o artigo 70.º procede-se à arguição e declaração do impedimento com os efeitos previstos nos artigos 71.º e 72.º, ou seja, a obrigação de comunicar o impedimento, declaração do impedimento, substituição do impedimento pela entidade suplente e se não houver ou não se puder designar, o órgão funciona sem o membro impedido. No entanto, o CPA estabelece um regime de dispensa de intervenção quando ocorra uma circunstância pela qual se possa duvidar da imparcialidade da conduta ou decisão.

No caso apresentado, apesar de não existir um caso de impedimento relativamente aos filhos, a ex-cônjuge mantém o interesse na manutenção do contrato de seguros, logo constitui uma circunstância que poderá suscitar dúvidas sobre a imparcialidade da decisão, pelo que a sua intervenção deverá ser excluída por iniciativa do próprio. Consequentemente, deverá o titular de órgão ou agente apresentar um pedido de dispensa de intervenção no procedimento, cujos efeitos são idênticos ao caso de impedimento, de acordo com o previsto nos artigos 71.º e 72.º do CPA.

Esta questão assume relevância no âmbito do mandato autárquico, porquanto os eleitos locais estão especialmente vinculados ao cumprimento de princípios de prossecução do interesse público, de acordo com o artigo 4.º do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30 de junho. Para além disso, ainda se aplica o regime especial dos membros dos órgãos executivos do poder local, previsto nos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, pelo que, caso se verifique nos últimos três anos anteriores à data da tomada de posse, um impedimento resultante da aplicação do artigo 9.º, concluiu-se que existe um caso de impedimento especialmente aplicável aos membros dos órgãos executivos do poder local. Se tiver decorrido mais de três anos sobre a cessação da sua participação na empresa em questão, não é possível concluir a existência de impedimento. Contudo, isto não afasta, a partir da investidura no cargo, o já exposto quanto à proibição de intervir em procedimento administrativo, ato, contrato, quando nele tenham interesse os filhos, por força do impedimento previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 69.º do CPA.

As autarquias locais são entidades adjudicantes de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código dos Contratos Públicos, CCP, estando por isso sujeitas às regras da contratação pública previstas neste Código. O regime estabelecido no CCP é aplicável à formação dos contratos públicos que, independentemente da sua designação e natureza sejam celebrados pelas autarquias locais. O procedimento de formação de qualquer contrato inicia-se com a decisão de contratar. Para a escolha do procedimento pré-contratual adequado às necessidades, as entidades adjudicantes estão condicionadas pelo valor do contrato, conforme artigo 20.º do CCP, logo implica que o contrato fique sujeito a um valor limite, sendo que para a aquisição de serviços o valor deve ser inferior a 20.000€. Sendo esse o caso que aqui se expões, é necessário alertar certas situações:

  • A fixação no caderno de encargos de um prazo de vigência do contrato a celebrar, superior a três anos, deve ser fundamentada conforme o disposto no artigo 48.º do CCP, assegurando o acesso de um maior número de operadores à celebração de contratos públicos, de modo a impedir a manutenção de contratos no tempo, o que colocaria em causa o princípio da concorrência (art. 1.º-A do CCP);
  • Tendo por objetivo impedir que as relações contratuais perdurem com as mesmas entidades, deve-se ter em atenção aos impedimentos que limitam a escolha das entidades a convidar para apresentar propostas e que devem ser considerados no caso de convite ou consulta à mesma entidade, ou seja, conforme o artigo 113.º do CCP cita-se “não podem ser convidadas a apresentar propostas, entidades às quais a entidade adjudicante já tenha adjudicado, no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores, na sequência de consulta prévia ou ajuste direto adotados nos termos do disposto nas alíneas c) e d) do artigo 19.º e alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 20.º, consoante o caso, propostas para a celebração de contratos cujo preço contratual acumulado seja igual ou superior aos limites referidos naquelas alíneas.”

Concluindo, a intervenção em procedimento que integre a previsão das alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 69.º do CPA, por parte do presidente da junta de freguesia, em violação do dever de comunicar a causa de impedimento, incorre em violação do dever específico de função, de acordo com o artigo 4.º, alínea iv), do Estatuto dos Eleitos Locais.

Perante qualquer outra situação em que se possa duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta ou decisão, deverá o mesmo apresentar pedido de dispensa de intervenção no procedimento, de acordo com o 73.º do CPA.

Sendo o mercado de seguros um mercado concorrencial, a manutenção de qualquer contrato além do prazo máximo, sem fundamentação, não respeita as regras e os princípios fixados no CCP (artigos 1.º-A e 48.º).

Sendo assim, tendo em conta os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, deve ser realizado um novo procedimento pré-contratual para a formação do contrato, de acordo com as regras previstas no CCP (artigo 20.º), em especial, quanto à escolha das entidades a convidar, no caso de ser adotado o ajuste direto ou a consulta prévia (artigo 113.º do CCP).

CCDRA 26-02-2023

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