Colocaram-se a seguintes questões:

Um membro do Executivo da Junta de Freguesia, que só recebe a compensação mensal e que tem como atividade a venda de equipamentos e material consumível para máquinas e oficinas, pode concorrer para vender os seus produtos ou prestar os seus serviços à Câmara Municipal, outra junta de freguesia (sem ser aquela onde faz parte) ou empresa com capital municipal do mesmo concelho?

Um membro da Assembleia de Freguesia efetivo, mesmo do partido da oposição, pode concorrer como prestador de serviços ou empreitadas à Junta de Freguesia onde foi eleito, à Câmara Municipal, outra junta de freguesia do concelho ou uma empresa com capital municipal?

Antes de analisar cada questão em detalhe é necessário lembrar a noção de Princípio da Imparcialidade, disposto no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, que afirma que os “órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé”. Para além disso, o artigo 9.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) informa que a “Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente, considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção”. Consequentemente, os impedimentos verificam-se quando determinadas causas objetivas, expressamente previstas na lei, se interpõem entre o titular de órgão da Administração Pública e a matéria objeto ou a pessoa destinatária da sua intervenção num procedimento específico, assim se patenteando/pressupondo a existência de um real ou potencial conflito de interesses e inibindo a atuação do titular do órgão, por essa via se protegendo/garantindo a imparcialidade, do mesmo passo que outros princípios fundamentais.

Para a primeira questão, e acompanhando o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 468/96 (Proc.º n.º 87/95), de 14 de março de 1996, este refere o seguinte: “Tendo em vista a prossecução do interesse público e o respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos e visando assegurar a observância dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade no exercício das funções dos órgãos e agentes administrativos, o legislador ordinário pode definir um regime de (…) impedimentos mais ou menos rigoroso e aplicável a um universo pessoal mais ou menos vasto”.

Relativamente ao regime do impedimento, o nº 1 do artigo 69.º do CPA estabelece que não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato/contrato de direito público ou privado da Administração Pública quando:

  • “nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa”;
  • “por si ou como representantes ou gestores de negócios de outra pessoa, nele tenham interesse o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, algum parente ou afim em linha reta ou até ao segundo grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem vivam em economia comum ou com a qual tenham uma relação de adoção, tutela ou apadrinhamento civil”;
  • “por si ou como representantes ou gestores de negócios de outra pessoa, tenham interesse em questão semelhante à que deva ser decidida, ou quando tal situação se verifique em relação a pessoa abrangida pela alínea anterior”;
  • “tenham intervindo no procedimento como perito ou mandatário ou hajam dado parecer sobre questão a resolver”;
  • “tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, parente ou afim em linha reta ou até ao segundo grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem vivam em economia comum ou com a qual tenham uma relação de adoção, tutela ou apadrinhamento civil; f) Quando se trate de recurso de decisão proferida por si, ou com a sua intervenção, ou proferida por qualquer das pessoas referidas na alínea b) ou com intervenção destas”.

Enquanto que as incompatibilidades, em princípio, são permanentes, os impedimentos são acidentais e reportam-se, à existência de interesses pessoais, diretos ou indiretos do agente, e estabelece a lei de forma taxativa que, por não se encontrar assegurada a sua isenção, fica proibido de participar nos processos em que se verificam as causas de impedimento.

Quanto à segunda questão, de acordo com o artigo 4.º do Estatuto dos Eleitos Locais, os eleitos locais no exercício das suas funções, estão vinculados ao cumprimento dos seguintes princípios/deveres, em matéria de legalidade e direitos dos cidadãos:

  • Observar aprimoradamente as normas legais e regulamentares aplicáveis aos atos por si praticados ou pelos órgãos a que pertençam;
  • Cumprir e fazer cumprir as normas constitucionais e legais relativas à defesa dos interesses e direitos dos cidadãos no âmbito das suas competências;
  • Atuar com justiça e imparcialidade.

E em matéria de prossecução do interesse público:

  • Salvaguardar e defender os interesses públicos do Estado e da respetiva autarquia;
  • Respeitar o fim público dos poderes em que se encontram investidos;
  • Não patrocinar interesses particulares, próprios ou de terceiros, de qualquer natureza, quer no exercício das suas funções, quer invocando a qualidade de membro de órgão autárquico;
  • Não intervir em processo administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado nem participar na apresentação, discussão ou votação de assuntos em que tenha interesse ou intervenção, por si ou como representante ou gestor de negócios de outra pessoa, ou em que tenha interesse ou intervenção em idênticas qualidades o seu cônjuge, parente ou afim em linha reta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;
  • Não celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de adesão.

Para a aplicação do artigo 4.º, o ponto 9 do Acórdão do STA n.º 2/2020 (Proc.º n.º 88/18.8BEPNF de 12.12.2019), refere que “o conflito de interesses pressupõe, no mínimo dois interesses; e haverá conflito quando – em termos efetivos ou meramente potenciais – a possibilidade de «satisfação plena de um» apenas se verificará à custa do sacrifício ou prejuízo – em maior ou menor medida – da satisfação do outro. A melhor forma de prevenir o conflito de interesses será empreender no sentido de evitar o surgimento do interesse cuja satisfação potencial ou efetiva prejudica ou sacrifica o interesse contraposto. A situação de potencial conflito de interesses surgirá sempre que um eleito local tenha, direta ou indiretamente, um interesse financeiro, económico, ou outro interesse pessoal, suscetível de comprometer a sua imparcialidade no contexto da celebração de um contrato com a respetiva autarquia, de tal forma que não lhe poderá ser atribuído o estatuto de «desinteressado». E na gestão de grande proximidade que acontece ao nível das autarquias locais, estas situações não só têm um considerável potencial multiplicativo como ainda atingem forte dimensão pessoal, minando o valor da confiança na imparcialidade”.

Para o regime de impedimentos, há que consultor o disposto na Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, que aprovou o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. São considerados cargos políticos os membros dos órgãos executivos do poder local. No entanto, vogais das juntas de freguesia com menos de 10.000 eleitores que se encontrem em regime de não permanência estão dispensados das obrigações declarativas a que alude a alínea b) do n.º 2 do artigo 7.º.

Algumas inibições recaem sobre os titulares de cargos políticos do poder local que, nos últimos três anos anteriores à data da investidura no cargo, tenham detido, nos termos do artigo 9.º, a percentagem de capital em empresas neles referida ou tenham integrado corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas de fins lucrativos. Consequentemente, não podem intervir em procedimentos de contratação pública de fornecimento de bens ou serviços ao Estado e a outras pessoas coletivas públicas aos quais aquelas empresas e pessoas coletivas por si detidas sejam opositoras, na execução de contratos do Estado e demais pessoas coletivas públicas com elas celebrados e em quaisquer outros procedimentos formalmente administrativos, bem como negócios jurídicos e seus atos preparatórios, em que aquelas empresas e pessoas coletivas sejam destinatárias da decisão, suscetíveis de gerar dúvidas sobre a isenção ou retidão da sua conduta, designadamente nos de concessão ou modificação de autorizações ou licenças, de atos de expropriação, de concessão de benefícios de conteúdo patrimonial e de doação de bens.

Concluindo, os eleitos locais para as freguesias que são membros dos órgãos executivos estão impedidos de contratualizar com a respetiva freguesia e com todas as freguesias que integram o âmbito territorial do respetivo município e com Município a que pertence a freguesia onde é titular, bem como com as respetivas empresas municipais. Os eleitos locais para as freguesias que não são membros dos órgãos executivos estão impedidos de contratualizar com a respetiva freguesia e respetivo Município.

Fonte: CCDRA; 26-02-2023

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